Livro - AntologIA poética
O que é aprendizado, criatividade e inteligência? Robôs podem produzir arte? Uma Inteligência Artificial (IA) pode realmente ser criativa, transmitir emoção, utilizando-se, para isso, de uma determinada ferramenta transmitidora de linguagem? Pode a IA chegar a um estágio de Ser-para-si sartreano?
Essas foram as perguntas iniciais que me instigaram a organizar e impulsionar a construção deste livro.
Durante muito tempo, o grande fluxo das conversas, debates e novas técnicas criadas para o melhoramento da chamada Inteligência Artificial (IA) ocorreu nos meios acadêmicos, através de pesquisadores ligados à área da Ciência da Computação. Hoje, de novas receitas gastronômicas à geração de rostos realísticos que não existem, a IA, sem dúvidas, já começa a cair no nicho que se pode chamar de “uso geral”.
Cabe ressaltar, aqui, a diferença entre a escrita automática dos surrealistas, do experimentalismo combinatório da Poesia Experimental Portuguesa (PO.EX) e da geração textual baseada em aprendizado artificial, tomando esse último ponto como foco neste trabalho.
Busquei a integração entre Arte Generativa - no sentido em que defino um propulsor automático gerativo - a estratégia de estabelecimento do acaso com o poema-constelação - proposta por Stéphane Mallarmé, e descrita em sua obra Um lance de dados - e a Ciberliteratura. A primeira, mantendo os algoritmos - ou as bases fundadoras do funcionamento de qualquer IA - como mola propulsora para geração de arte; a segunda, na reafirmação de uma estética de possibilidade infinitas, fixadas no mar entrópico da desordem; e a última, amplificando o experimentalismo literário e inventivo do PO.EX, para a geração automática de poemas.
O resultado dessa combinação me permitiu compor uma obra que condensa, em objeto real, a problemática sobre como os processos algorítmicos são explorados, enquanto ferramentas de criação de arte, invenção de linguagem e ordenamento do acaso.
O turbilhão de caracteres de sistemas de escrita representa todo o conhecimento humano já produzido. Então, uma miríade - que se constitui em um potencial, produzido pelo homem -, representa a eficiência da IA em poder recriar novos conhecimentos, baseados no conhecimento “real” aprendido por ela. Os símbolos, que são puxados à força, representam, portanto, a aceleração do aprendizado deste próprio conhecimento, afim de produzir novos goles fugazes de ordenamento - a dita fixação -, onde o poema se transforma em uma disciplina controladora do acaso, mas agora em escala artificial e com potenciais ao infinito.
O que está está em jogo é a dialética entre tempo e acaso.
Este livro, portanto, apresenta uma amostra de 132 poemas, escolhida por mim, de um total de 100 mil, gerados por uma IA, do tipo GPT-2. Os modelos de aprendizado utilizados para compor as formas/estilos de escrita foram treinados a partir de diversos autores brasileiros e estrangeiros, compreendendo os intervalos de tempo poéticos que vão desde o estilo medieval à contemporaneidade. O resultado é um mix de escrita criativa, que tenta unir diversos estilos literários em cada poema, ao mesmo tempo em que dá origem a um estilo único, onde a união dos conceitos - e por que não o acaso? - é justamente a base para esta criação.
Como uma obra nos meandros da literatura experimental, ela tenta trabalhar a percepção e sensos estéticos sobre como a criação parte de si para si e para o outro. Mais um passo na direção de uma obra de arte aberta, como diria Umberto Eco. Os processos múltiplos e subjetivos que possibilitam a criação de objetos de arte, de uma forma ou de outra, se apresentam no contexto entre o fazer humano, enquanto senso criador da ideia, além de noções mais alegóricas sobre o maquinicismo desse fazer, que se baseia em um conhecimento apropriado, sistematizado e, por fim, tornado real. Há aí uma estratégia que caminha no limiar entre o que é ser humano e quais suas relações com a criação, humana ou não. A própria busca de fixação retoma ao caráter rebelde e contingente desta obra, ou, como falou Mallarmé: Um lance de dados jamais abolirá o acaso.
E não, eu não respondi às perguntas.
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